Koe no Katachi
- Sofia
- 2 de set. de 2021
- 6 min de leitura
Tenho uma colega nova na turma e parece que me irá mudar a vida. Olha que sorte, hein?!

Nome: Koe no Katachi | A silent voice
Autor: Yoshitoki Ōima
Ano: 2013
Estado: Completo
Volumes: 7 (62 Capítulos)
Género: Drama, Psicológico, Shounen, Slice of life, Vida escolar.
Sinopse:
A história é sobre Nishimiya Shouko, uma menina surda que é transferida para uma nova escola onde acaba sofrendo bullying dos seus colegas, especialmente de Ishida Shouya. Quando é transferida novamente, Ishida acaba ostracizado e passa a sofrer bullying pelas mesmas pessoas que julgava serem suas amigas. Anos mais tarde, decide redimir-se do seu erro. Será que irá conseguir?
Crítica
Koe no Katachi apresenta-se como um manga dramático, e acaba por se revelar uma obra complexa e sentimental, que nos esmaga por dentro e nos faz olhar para nós próprios quer o queiramos ou não.
“Muito prazer em conhecer-vos. O meu nome é Nishimiya Shouko. (...) Eu sou surda.”
É com esta frase que somos apresentados a uma das personagens mais importantes da história. Nishimiya Shouko é uma menina surda que é transferida para uma nova escola, onde todos os que a rodeiam conseguem ouvir. Porém, a turma em que Nishimiya calha acaba por não ser tão hospitaleira como a menina esperava.
A história vai sendo narrada por outra personagem importante, Ishida Shouya, senão a mais importante de todas. Ishida Shouya é um menino irreverente que, não sabendo como lidar com a diferença de Nishimiya, desencadeia uma manifestação de bullying coletivo contra a sua nova colega. Inconsciente do enorme erro que está a cometer, Ishida só se apercebe desse facto quando Nishimiya é transferida novamente e todos os colegas para se livrarem da culpa, transformam-no em bode expiatório. Ishida acaba por ser o novo alvo do bullying da sua turma, sendo desacreditado até mesmo pelo seu professor a quem pede ajuda. A partir do momento em que começa a sentir na pele aquilo que ele próprio começou, Ishida decide mudar e corrigir os seus próprios erros, custe o que isso lhe custar.
A história desenvolve-se de uma forma fluída e marcante, onde tudo o que nos é contado se torna importante. São vários os assuntos abordados neste manga, tais como bullying, empatia, suicídio, entre outros. Pessoalmente, isso foi o que mais me agradou nesta obra, a sua capacidade em retratar temas tão atuais e urgentes de serem resolvidos de uma forma simples e realista.
À medida que vamos avançando na leitura vamos compreendendo que as personagens são todas complexas e que o seu destino se interliga de uma forma ou de outra. Também achei interessante o facto de todas terem os seus pontos fracos e fortes como acontece na vida real. Nenhuma delas chega a ser perfeita, nem mesmo a doce Nishimiya Shouko, que só deseja ver todos à sua volta felizes. Com isso, a autora faz com que cada um de nós pondere sobre a conduta dos personagens e, consequentemente, sobre a sua própria conduta numa situação parecida.
Relativamente aos gráficos, gostei do estilo e do traço do desenho. Se há coisa que detesto é ler mangas em que existem várias personagens e estas são todas parecidas umas com as outras. Em Koe no Katachi isso não acontece. Cada personagem é diferente e com traços distintos.
Da mesma maneira que a narrativa é feita por Ishida a partir de um ponto específico na sua vida e na de Nishimiya, também esta termina num momento importante, fazendo-nos adivinhar o que se seguiu. Confesso que não fiquei desapontada. Achei o final bastante adequado, pois ficamos a saber não só dos destinos dos protagonistas Ishida e Nishimiya bem como dos restantes personagens.
Sussurro do Coração
Quando a autora Yoshitoki Ōima escreveu Koe no Katachi tinha 24 anos. Inspirada pelo trabalho da sua mãe, uma intérprete de língua gestual, Yoshitoki partilhou com o mundo a importância de sermos ouvidos, especialmente quando somos diferentes. O que mais me agrada nesta obra é exatamente o facto de abordar tantos aspetos importantes e pequenos pormenores que talvez nem sempre levemos em conta, como por exemplo, a crueldade das crianças.
Geralmente consideramos que as crianças são ‘criaturas’ amorosas e traquinas, mas a verdade é que estas podem ser muito cruéis para com o seu semelhante. Para começar, não têm filtro e são muito sinceras. Porém, considero que são mais mente aberta do que muitos adultos. Não julgam com tanta facilidade, especialmente se forem ensinadas dessa forma. É exatamente isso que não vemos acontecer no início da obra de Yoshitoki. Por não saber como lidar com a diferença de Nishimiya e com o desconforto que esta o faz sentir, Ishida Shouya decide intimidar a sua colega. Contudo, na minha humilde opinião, o problema começa ainda antes disso, quando o professor titular da turma não sabe como ensinar alguém com deficiência auditiva e não parece estar interessado em tentar. O problema agrava-se quando ele próprio começa a discriminar a sua aluna, dando assim autorização (ainda que silenciosa) para que a restante turma faça o mesmo. Neste ponto, eu acho que a autora toca noutro aspeto importante: o de que nem todos os professores sabem sê-lo. É verdade que, por vezes, nem um bom professor pode evitar que um aluno seu seja intimidado por outros, mas é um grande passo quando esse mesmo adulto decide tomar as rédeas e tentar resolver o assunto. A criança aprende com o exemplo, e se o adulto que a está a educar e ensinar for um bom exemplo, então essa criança tem tudo para se tornar num bom adulto.
Atualmente são cada vez mais os casos de bullying nas escolas, e sendo uma pessoa que sofreu bullying quando criança, sei que não é fácil ultrapassar isso. Infelizmente, de tantas vezes se sofrer agressões físicas e verbais, a vítima começa a sentir que merece tudo o que lhe está acontecer e, consequentemente, a única solução que o agredido vê é o suicídio. Tudo isto é visível na personagem de Nishimiya Shouko, o que me leva a crer que a autora o aborda como forma de chamada de atenção para a sociedade e os seus padrões. Muitas vezes os males do mundo estão dentro de nós, incutidos pelo que nos rodeia, e nem sempre nos apercebemos disso.
Embora o foco da história ande sempre em torno do bullying que Nishimiya sofreu, existem outros pontos que são abordados, como, por exemplo, o viver de consciência tranquila com a vida que levamos. Eu acredito na Lei do Retorno, isto é, tudo o que fizermos aos outros eventualmente irá voltar para nós. É a forma que o Universo tem de se manter equilibrado. Porém, eu acredito também que, mesmo quando as lições da Vida são duras, é sempre com o intuito de nos tornar melhores. Um exemplo disso é a personagem de Ishida, a quem o Universo começa a ‘ensinar’ logo após a partida de Nishimiya, fazendo-o sofrer tudo o que fez a sua colega passar. Por vezes é necessário sentirmos na pele para compreendermos os nossos erros. Cabe a cada um de nós corrigi-los, ou aprender a viver com eles, mas sempre com o intuito de seguir em frente.
Outro ponto interessante é o facto de nem sempre sabermos como lidar com o nosso arrependimento. É preciso maturidade para aceitar o que fazemos de errado e as consequências dos nossos atos. Na minha opinião, Ueno e Kawai são das poucas personagens da obra de Yoshitoki que só compreendem isso tarde demais, por estarem tão focadas em si próprias e nos próprios pensamentos. Uma opta por culpar os outros dos seus próprios erros, e a outra considera que não fazer nada ao ver algo de incorreto acontecer à sua frente, tal como não intervir quando Nishimiya sofre bullying, não é estar errada.
Também em Koe no Katachi é colocada a questão sobre o que é ser amigo de alguém. Quando é que passamos de meros conhecidos a amigos de outra pessoa? A autora faz as suas personagens pensarem sobre isso, e conclui que ao longo da nossa vida, as pessoas passam e poucas são as que se mantêm nela. E, realmente, se pensarmos na quantidade de pessoas que já passaram na nossa vida desde que nascemos até ao momento em que estamos agora, não fazemos ideia de quantas foram, mas somos capazes de numerar as que nos marcaram e que, talvez, ainda permaneçam connosco.
Por último e não menos importante, a obra de Yoshitoki transmite a necessidade que o mundo atual tem de empatia. É muito importante cultivarmos essa capacidade, a de nos colocarmos no lugar do outro, mas também de sabermos ouvir. Cada um de nós tem a sua forma de comunicar. Alguns é por palavras ou por língua gestual, e outros através da música ou da pintura. As personagens Nishimiya e Ishida são diferentes, uma é surda e o outro não, mas ambas descobrem o quanto é difícil ser ouvido. Ouvir os outros é uma capacidade que nem todos têm, mas que é possível de ser aprendida.
Em suma, Koe no Katachi realça o quanto somos diferentes, mas que não há nada de errado nisso. Cada um é da forma que é, com os seus defeitos e as suas qualidades, e não devemos ir contra a nossa natureza só para agradar os outros.
Para o tópico “Um manga que, de tão brilhante, poderia ser literatura” do Ecletic Heart 30 Post Challenge, escolhi esta obra maravilhosa de Yoshitoki Ōima, por tudo o que já falei, ou não tivesse ela ganho com Koe no Katachi os prémios New Creator Prize no Tezuka Osamu Cultural Prize em 2015, o Rudolf-Dirks-Awards para Best Scenario (Asia) em 2017, e no Japan Expo o prémio Daruma d′Or Manga em 2018.
Avaliação - 🟉🟉🟉🟉🟉🟉🟉🟉🟉🟉 (10)
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